Revisões x Reajustes

Jéssica Rocha, analista de BRR da Norven, explica as diferenças entre reajustes e revisões tarifárias e principais componentes da tarifa

No nosso artigo Afinal o que é BRR? vimos que a metodologia tarifária adotada pelo setor de distribuição de energia elétrica no Brasil foi o Price CAP, sob regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Nesse método, também conhecido como “Regulação por Incentivos”, o regulador estabelece um valor teto para a tarifa que mantenha o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, estimulando ao mesmo tempo o aumento da produtividade, a qualidade dos serviços e a modicidade tarifária.

Mas como é estabelecido esse valor de tarifa? Como é medida a qualidade e produtividade das empresas e de que maneira esses valores compõem a tarifa?

O preço-teto inicial é previsto no Contrato de Concessão, firmado pelas distribuidoras e o Poder Concedente e, no Brasil, o modelo regulatório adotado prevê os seguintes mecanismos de atualização das tarifas: Reajuste Tarifário, Revisão Tarifária Periódica e Revisão Tarifária Extraordinária. Esses mecanismos estão previstos no contrato de concessão e possuem a metodologia descrita nos Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET.

As Revisões Tarifárias Periódicas ocorrem com regularidade de 3, 4 ou 5 anos (de acordo com o contrato de concessão). Nessa modalidade, o preço-teto da tarifa é definido de forma que são revisados os custos operacionais eficientes, remuneração do capital investido, os limites de qualidade dos serviços e o ganho de produtividade. O objetivo dessas revisões é garantir o equilíbrio econômico-financeiro das empresas e o valor justo de tarifa aos consumidores.

O Reajuste Tarifário acontece anualmente, exceto quando ocorre a Revisão Tarifária, e corresponde a um ajuste da tarifa de acordo com a inflação do período, descontada de um índice de produtividade e incentivo (o Fator X). Essa modalidade de reajuste tem o objetivo de recompor o valor da tarifa em decorrência do aumento dos custos para prestação do serviço (inflação).

A terceira modalidade de reajuste, a Revisão Tarifária Extraordinária, acontece a pedido da distribuidora quando algum evento atípico provoca desequilíbrio econômico-financeiro significativo ou quando, após a assinatura do contrato de concessão, forem instituídos e/ou alterados tributos ou encargos legais. Dessa forma, a Revisão Tarifária Extraordinária ocorre quando há alguma variação inesperada nos custos das distribuidoras, custos esses que não estejam sendo abarcados pelas Revisões Tarifárias Periódicas ou Reajustes anteriores.

O processo dessas revisões na ANEEL é feito de maneira transparente e amplamente discutido com os agentes e com a sociedade. Para as Revisões Tarifárias, o rito prevê Consulta Pública, quando a ANEEL divulga as propostas de revisão e todos os interessados podem enviar contribuições durante o processo. Ocorre ainda uma audiência pública de forma presencial, ou virtual quando houver alguma restrição para convívio social. Os resultados são demonstrados em Reuniões Públicas da Diretoria e publicados em Resolução Homologatória.

O processo de Reajuste Tarifário Anual é mais simples, sendo os cálculos realizados pelas unidades organizacionais da Agência e apresentados em Reunião Pública, quando então são discutidos e aprovados pela Diretoria Colegiada, resultando em Resolução Homologatória que ficará em vigência pelos próximos 12 meses.

Por trás de todo esse processo de interação com a sociedade existe um trabalho aprofundado da Agência, iniciando com o envio de informações pela concessionária, fiscalizações realizadas pelas áreas técnicas da ANEEL e aplicação de metodologias para obtenção desses resultados, como detalharemos nos próximos tópicos.

Revisões e Reajustes – Aspectos Metodológicos

Como descrito anteriormente, os procedimentos para cálculo da Revisão Tarifaria Periódica e Reajuste Tarifário Anual são estabelecidos no PRORET. Para fins de cálculo tarifário, os custos das distribuidoras são divididos em dois tipos: os de Parcela A e os de Parcela B.

Os custos de Parcela A, também chamados de não gerenciáveis, são os custos com compra de energia, transmissão e encargos setoriais. Já os de Parcela B, os custos gerenciáveis, englobam os custos operacionais, a remuneração do capital e a reposição dos ativos. Na revisão tarifária, essas parcelas são calculadas e formam a Receita Requerida (RR):

Nos Reajustes Tarifários Anuais as variações de custos da Parcela A são repassados enquanto os valores de Parcela B são apenas reajustados por IGP-M ou IPCA (conforme contrato de concessão). Já nas Revisões Tarifárias os custos de parcela A são incorporados na tarifa, porém, o objeto central de revisão são os custos de Parcela B. Neste tópico traremos os principais conceitos e metodologias por trás dos principais componentes das parcelas A e B.

Itens que compõem a Parcela A
  • Aquisição de Energia

Por força de lei, os agentes de distribuição de energia elétrica brasileiros devem garantir 100% dos seus mercados de energia por meio de contratos registrados na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.

Nesse cenário, a Distribuidora pode recorrer a algumas alternativas para aquisição de energia elétrica, como em Leilões de energia nova ou de energia existente, contratos bilaterais entre os agentes e geração distribuída. Além dos valores de aquisição de energia por estratégias definidas pela distribuidora, também estão presentes na tarifa as Cotas referentes aos custos de geração de Angra 1 e 2 e de Itaipu, onde todas as concessionárias adquirem compulsoriamente a energia gerada por elas.

  • Custos com Transmissão

Os agentes de distribuição também são responsáveis por arrecadar dos consumidores finais os custos do transporte de energia. Esses custos são aqueles relacionados à infraestrutura necessária por levar a energia desde as unidades geradoras até os sistemas de distribuição.

  • Encargos Setoriais

Os encargos setoriais que compõem a parcela A são instituídos por lei, e visam garantir recursos para o desenvolvimento do Setor Elétrico, funcionamento de alguns órgãos e o custeio de políticas energéticas do Governo Federal. São custos não gerenciáveis pelas concessionárias de distribuição. Abaixo elencamos os encargos incluídos na tarifa de energia:

i. Conta de Desenvolvimento Energético – CDE;

ii. Programa de Incentivo à Fontes Alternativas de Energia Elétrica – PROINFA;

iii. Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos – CFURH;

iv. Encargos de Serviços do Sistema – ESS e de Energia de Reserva – EER;

v. Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica – TFSEE;

vi. Pesquisa e Desenvolvimento – P&D e Programa de Eficiência Energética – PEE;

vii. Contribuição ao Operador Nacional do Sistema – ONS.

  • Perdas

No cálculo dos custos de aquisição de energia elétrica e geração própria, tanto nas revisões quanto nos reajustes, são considerados os percentuais regulatórios de perdas de energia elétrica, os quais são decorrentes de Perdas Técnicas e Perdas Não Técnicas. As Perdas Técnicas são aquelas inerentes ao processo de transporte, transformação de tensão e medição de energia da concessionária, uma vez que os condutores possuem resistência elétrica, responsável por produzir perdas de energia no processo na forma de calor. Os percentuais de Perdas Técnicas são definidos nos processos de Revisão Tarifária Periódica, sendo calculados de acordo com o módulo 7 do PRODIST.

Já as Perdas Não Técnicas, são aquelas associadas a furtos de energia, erros de medição e unidades consumidoras sem equipamentos de medição. Em algumas partes do país essas perdas correspondem a boa parte do valor da tarifa de energia elétrica. Os valores repassados ao consumidor referentes a essa parcela de energia são limitados a uma trajetória estabelecida pela ANEEL, definidos na Revisão Tarifária Periódica por meio de análise comparativa entre as distribuidoras, baseada no modelo yardstick competition. A metodologia de definição das metas de Perdas Não Técnicas é definida de acordo com o submódulo 2.6 do PRORET.

Itens que compõe a Parcela B
  • Custos Operacionais

Os Custos Operacionais, de acordo com o PRORET, são os custos com Pessoal, Materiais, Serviços de Terceiros, Operação e Manutenção e outros custos operacionais e tributos relacionados à atividade de distribuição, ou seja, corresponde ao OPEX das concessionárias.

Considerando que o serviço de distribuição de energia elétrica é um monopólio natural, para o cálculo dos custos operacionais a ANEEL utiliza o método de benchmarking, o qual tem por finalidade simular a competitividade e estabelecer a comparação de desempenho entre as distribuidoras. Nesse método, a agência agrupa em clusters as concessionárias que possuem características, dificuldades e padrões semelhantes, a fim de comparar e estimular a eficiência das empresas.

A Agência então, define um nível eficiente de custos para execução dos processos e dos serviços de distribuição, de forma que é estabelecida uma meta de custos operacionais regulatórios a ser atingida ao longo do ciclo tarifário, de acordo com uma trajetória previamente calculada. No período da Revisão Tarifária, a meta regulatória é comparada com a cobertura dos custos operacionais presente na tarifa da concessionária: a Receita de Custos Operacionais. Parte da diferença entre meta regulatória e essa receita é incorporada nesse momento e o restante será considerado para cálculo do fator X.

Cumpre destacar que os custos operacionais eficientes devem ser compatíveis com os investimentos feitos pelas empresas, de forma a ressarcir os valores que estas desembolsam para a operação do sistema, evitando assim custos superdimensionados, que poderiam resultar em uma tarifa demasiadamente alta e injusta aos consumidores.

  • Remuneração do Capital

A Base de Remuneração Regulatória – BRR se refere ao mecanismo pelo qual as concessionárias recebem a reposição e remuneração dos investimentos por elas realizados, ou seja, parcela sobre a qual a concessionária pode apurar a taxa de retorno. A BRR é composta pelo valor dos ativos implementados pela concessionária ao longo das revisões periódicas, mas é claro, apenas aqueles que sejam investimentos considerados como prudentes pela Agência. Atualmente a avaliação desses ativos é efetuada pelo Regulador pelo método do Valor Novo de Reposição – VNR, que corresponde ao valor, a preços atuais de mercado, de um ativo idêntico, similar ou equivalente, que efetue os mesmos serviços do ativo existente, considerando também os custos necessários para sua implantação.

O VNR é formado pelo valor do equipamento principal (Valor de Fábrica), acrescido dos custos de sua instalação (Custos Adicionais – CA e Componentes Menores – COM). O Valor do equipamento principal, é definido pelo Banco de Preços da Concessionária, já os custos adicionais e componentes menores são definidos pelo Banco de Preços Referenciais, aprovado na AP 23/2014, constante no submódulo 2.3 do PRORET. Esse Banco de Preços Referenciais foi produzido a partir de dados das concessionárias de todo o país. Da mesma forma da metodologia dos Custos Operacionais, as empresas são agrupadas em clusters com outras de características semelhantes, totalizando 5 grupos de empresas, com seus preços regulatórios para custos de instalação estabelecidos por uma média.

Faz parte ainda do VNR os Juros sobre Obras em Andamento, o JOA, que representa a remuneração para obras em curso. Alguns equipamentos, que por algum motivo não seja possível a valoração pelo VNR, são valorados pelo seu valor de compra atualizado por IPCA. Após a valoração de toda a BRR, sendo esta dividida em BRR bruta e líquida, esse valor é blindado, de forma que nas próximas Revisões será apenas atualizado e aplicado as baixas de bens que foram desativados e avaliada apenas a BRR do período desde a última revisão (período incremental).

A Remuneração do capital é formada então pela BRR líquida multiplicada por uma taxa de retorno, denominada taxa WACC, ou Custo Médio Ponderado de Capital, definido anualmente pela ANEEL. Essa taxa representa o retorno do capital investido considerando os riscos do investimento, ou seja, é uma taxa mínima de rentabilidade adotada para o cálculo da remuneração dos ativos para este negócio no Brasil.

  • Quota de Reintegração Regulatória

Também há a receita decorrente do desgaste dos ativos implementados, a Quota de Reintegração Regulatória – QRR. Essa parcela considera a depreciação e a amortização dos investimentos realizados, realizando a recomposição do valor desses ativos, de forma que a concessionária possa recuperar o valor investido e substituir esses ativos ao fim de sua vida útil. O cálculo da QRR considera a Base de Remuneração Bruta multiplicada por uma taxa média de depreciação, compondo também a parcela B da tarifa.

  • Base de Anuidade Regulatória

A Base de Anuidade Regulatória é composta pelos ativos que não compõem a BRR, divididos em três grupos: aluguéis, veículos e sistemas. Os aluguéis incluem todos os custos necessários para locação de espaços imobiliários, os veículos englobam os valores para os automóveis destinados ao uso administrativo e de operação, já os sistemas se referem aos custos relacionados à infraestrutura de hardware e software corporativos

Esses ativos são determinados como uma relação do Ativo Imobilizado em Serviço que compõe a BRR e entram no Custo Anual das Instalações Móveis e Imóveis (CAIMI), fazendo parte da parcela B. As parcelas de Remuneração do Capital, QRR e CAIMI formam o Custo Anual dos Ativos – CAA que finalmente vai para a tarifa.

Imagem adaptada de [4]
  • Mecanismo de Incentivo à Qualidade e Produtividade – o Fator X

O Fator X é um importante mecanismo da Regulação por Incentivos. É por meio dele que o regulador estabelece ganhos de produtividade e qualidade na prestação dos serviços das distribuidoras decorrentes do crescimento do mercado e do aumento do consumo dos clientes existentes e transfere ao consumidor esses ganhos na tarifa, nos eventos de reajustes tarifários.

A finalidade do Fator X é a garantia de que os ganhos de produtividade e o aumento da eficiência das distribuidoras sejam repassados aos consumidores na forma de redução da tarifa. Além dos componentes de Qualidade e Produtividade, é por meio dele que a ANEEL busca estabelecer a trajetória de custos operacionais eficientes (constante nos tópicos anteriores). O Fator X é composto então por três componentes:

Em que Pd corresponde aos ganhos de produtividade, Q é a qualidade Técnica e comercial dos serviços prestados e T a trajetória dos custos operacionais. Os componentes Pd e T são definidos no momento da revisão tarifária e o componente Q é calculado a cada reajuste tarifário.

O componente Pd corresponde aos ganhos de produtividade pela variação de mercado das concessionárias no período histórico analisado, já o componente Q é resultado de sete indicadores e padrões de qualidade estabelecidos pela agência, enquanto o componente T ajusta ao longo do período até a próxima revisão tarifária a meta de custos operacionais eficientes, de forma que a concessionária não precise chegar imediatamente à meta estabelecida, mas sim ao longo de um determinado período.

Dessa forma, a cada revisão tarifária os componentes do fator X são recalculados e repassados às tarifas ao longo dos reajustes tarifários anuais subsequentes, até a próxima revisão. Os ganhos de produtividade das distribuidoras são repassados aos consumidores contribuindo para a modicidade tarifária.

Imagem adaptada de [1]

Referências

[1] Instituto Acende Brasil, Cadernos de Política Tarifária: Análise do Processo de Revisão Tarifária e Regulação por Incentivos, 2007. Disponível em: https://acendebrasil.com.br/estudo/caderno-de-politica-tarifaria-1-politica-tarifaria-e-regulacao-por-incentivos/

[2] Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Procedimentos de Regulação Tarifária – PRORET, Submódulos 2.1,2.2,2.3,2.4,2.5,2.63.1,3.2,3.3,3.4. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/procedimentos-de-regulacao-tarifaria-proret

[3] Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Entendendo a Tarifa. Disponível em: https://www.aneel.gov.br/entendendo-a-tarifa/-/asset_publisher/uQ5pCGhnyj0y/content/revisao-tarifaria/654800?inheritRedirect=false

[4] SOARES, Simone Moreira, Revisão Tarifaria Periódica e o Equilíbrio Econômico-Financeiro Das Distribuidoras De Energia Elétrica, Dissertação de Mestrado – Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2019.

[5] Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE, Tarifas de Energia. Disponível em: https://www.abradee.org.br/setor-de-distribuicao/tarifas-de-energia/

2023 Copyright | Norven