Afinal, o que é BRR?

Guilherme Tannus, sócio fundador da Norven, explica de forma prática os principais conceitos de uma das parcelas mais relevantes da tarifa de energia elétrica

A Base de Remuneração Regulatória (BRR) é o mecanismo pelo qual as concessionárias de distribuição e de transmissão de energia elétrica brasileiras recebem a reposição e remuneração dos investimentos por elas realizados para expansão ou reforço do sistema.

As empresas de distribuição, por serem as que se relacionam diretamente com os consumidores, são responsáveis pela arrecadação dos recursos de toda a cadeia: geração, transmissão, distribuição, tributação e políticas públicas setoriais. Dessa forma, a tarifa de energia elétrica é dividida em duas parcelas: 

Parcela A: também chamada de parcela dos custos não gerenciáveis. Nela estão inseridos os custos que não são referentes à atividade de distribuição: compra de energia, custo de transmissão, tributos e encargos. A distribuidora não possui gestão sobre esses custos e apenas cumpre o papel de arrecadar via tarifa os recursos e repassar aos devidos agentes: usinas geradoras, transmissoras e governo.

Parcela B: chamada de parcela dos custos gerenciáveis. Nessa parcela estão previstos todos os valores associados diretamente à atividade de distribuição. Basicamente, a distribuidora precisa, para sua operação, de recursos para duas finalidades distintas:

  • Operação e manutenção
  • Investimentos para ampliação da sua rede, aumento da capacidade de fornecimento e para substituição de equipamentos danificados ou obsoletos. 

Operação e Manutenção compreende os gastos para executar atividades de atendimento comercial (call center, agências etc.), atendimento técnico (equipes de emergência e de manutenção corretiva e preventiva) além de custos de administração, como as áreas financeira, contábil, recursos humanos etc. De forma simplificada, o valor dessa parcela (ou seja, o valor que a ANEEL irá admitir que seja cobrado dos consumidores) é calculado de acordo com as características da concessão: extensão da rede, quantidade de consumidores, faturamento, variáveis ambientais etc. e seu nível de eficiência frente a outras empresas comparáveis – benchmark de eficiência.

No cálculo do valor a ser incorporado à tarifa para cobrir os investimentos é que entra a figura da Base de Remuneração Regulatória. O valor da BRR compreende o valor total dos ativos que a companhia implantou em sua área de concessão para fazer chegar aos seus consumidores a energia adquirida das geradoras. Como na maioria dos negócios, investimentos são feitos com objetivo de receber remuneração a longo prazo e é com esse objetivo que os grupos econômicos adquirem concessões e nestas realizam investimentos.

Para melhor compreensão, voltemos um pouco à história do setor. Nos anos 90, o Brasil enfrentava um grande desafio para o desenvolvimento do setor elétrico: havia grande necessidade de investimentos para ligação de consumidores em áreas não atendidas, aumento da capacidade de fornecimento para atender zonas industriais em expansão e renovação das redes sucateadas, que apresentavam índices de qualidade aquém das necessidades da população.

Naquele momento, a quase totalidade do setor estava nas mãos do estado, nas esferas federal ou estadual. As empresas vinham de anos de prejuízos acumulados e não possuíam capacidade de investimento para atender à crescente demanda (sem caixa e sem condições de se endividar mais). A saída era uma só: atrair capital privado.

Para isso foi feita uma grande reformulação do arcabouço legal e regulatório, com a criação da agência reguladora (ANEEL) e definição clara das regras tarifárias.

A metodologia tarifária adotada, então, foi o Price CAP (ou preço máximo), a qual estabelece um valor máximo de tarifa que atenda, ao mesmo tempo, aos dois interessados: os investidores, que precisam ter recursos suficientes para fazer novos investimentos, remunerar investimentos já realizados e operar (equilíbrio econômico-financeiro) e os consumidores, que exigem a menor tarifa possível (modicidade tarifária).

Assim, sendo a tarifa o único meio pelo qual as empresas arrecadam, nela devem estar previstos todos os custos mencionados anteriormente.

Os investidores atraídos pelo setor esperam, portanto, ter seus investimentos devidamente remunerados. Como em qualquer tipo de investimento, espera-se não só receber o capital investido de volta, como também ser premiado por ter desembolsado esse capital para atender à concessão (ou seja, os consumidores).

Para exemplificar, imaginemos uma empresa distribuidora que acaba de ser criada para atender uma pequena comunidade. Essa empresa fez um investimento total de R$ 100 milhões para construir uma subestação transformadora, 200 km de rede e ligação de 5.000 consumidores. A tarifa deverá ser calculada, então, de forma que ele receba a partir de agora não só os R$ 100 milhões de volta como também a remuneração sobre este capital investido. Essas duas parcelas são denominadas Quota de Reintegração (pois reintegra ao investidor o capital investido) e Remuneração do Capital.

A Quota de Reintegração Regulatória (QRR) é calculada dividindo-se o valor total dos ativos pela sua vida útil (ou multiplicando pela taxa média de depreciação). Em termos práticos, se a taxa média de depreciação dos ativos é de 4% ao ano, o capital investido será integralmente reintegrado em 25 anos. Isso significaria R$ 4 milhões por ano ou R$ 333 mil por mês a serem incorporados à tarifa.

A Remuneração do Capital (RC) é feita utilizando-se uma taxa denominada WACC, que é estabelecida pelo regulador e que deve captar a relação risco/retorno para o setor. Atualmente essa taxa é de 11,08% ao ano e é aplicada somente sobre o valor ainda não depreciado dos ativos, isto é, no primeiro ano será 11,08% sobre o valor de R$ 100 milhões, mas no segundo ano será de 11,08% sobre R$ 96 milhões, e assim progressivamente.

Uma forma bem simples de se compreender esses cálculos é fazendo um paralelo com um empréstimo bancário para aquisição de um imóvel. Quando uma pessoa procura um banco para obter financiamento, o banco fornecerá a ele os recursos em troca de parcelas mensais que reintegrem o capital emprestado (amortização) e que também remunerem o banco por ter feito o empréstimo (juros). Em nosso paralelo, a concessionária é o banco que emprega seus recursos na construção de ativos elétricos para atender os consumidores. Em troca, a concessionária receberá não só o valor empregado como também uma justa remuneração.

Assim como no cálculo da QRR, o valor da amortização do empréstimo bancário é fixa ao longo do tempo e seu valor mensal é calculado dividindo-se o valor total do empréstimo (valor total investido) pelo prazo contratado (taxa de depreciação). Já os juros, assim como a RC, reduzem progressivamente pois seu valor só é aplicado sobre o valor ainda não amortizado da dívida. Uma importante distinção é o fato de que os bancos têm bastante liberdade para definir os juros cobrados, mas o mercado de certa forma regula para o valor justo de risco/retorno em função da concorrência. No caso do setor elétrico, a ANEEL tem a missão de definir essa taxa de forma a atrair os investimentos privados onerando o mínimo possível seus consumidores.

Essa á uma visão bastante simplificada e existem diversos outros fatores envolvidos, como a periodicidade das revisões tarifárias, a continuidade de investimentos, as metodologias usadas para se definir o valor remunerável dos ativos etc. De qualquer forma, o cálculo do valor da tarifa de energia elétrica possui muito mais elementos do que a maioria das pessoas imagina e existe uma grande quantidade de empresas e profissionais trabalhando intensamente na aplicação e evolução das metodologias para que, cada vez mais, as tarifas tenham valores justos – que mantenham o equilíbrio econômico-financeiro das concessões com o menor impacto possível sobre a sociedade.  

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