Em junho de 2024, foi publicado o Decreto número 12.068, que estabelece os critérios e diretrizes para a prorrogação das concessões de distribuição de energia elétrica. O referido decreto, publicado
oficialmente pelo governo federal, apresenta 17 regras modificadas ou adicionadas para os novos contratos de concessão que estarão em vigor nos próximos anos. Esta atualização é resultado de meses de trabalho extenso do Ministério de Minas e Energia (MME), que visa ter regulamentação mais rigorosa, criar alternativas para as distribuidoras, além de, conforme fala ministro Alexandre Silveira, do
MME, refletir a “percepção social sobre a prestação dos serviços de distribuição”.
Para contextualizar o assunto, é importante recordar o conceito de monopólio natural, que se aplica à distribuição de energia elétrica, água e, em alguns casos, ao transporte público. Os monopólios
naturais caracterizam-se por serem explorados mediante concessão em áreas demarcadas, o que facilita a regulação, regulamentação e fiscalização. Esse modelo reduz custos e estimula o investimento das empresas nos projetos, pois a garantia de exploração dos serviços por períodos prolongados — geralmente de 20 a 30 anos — proporciona um ambiente de maior segurança jurídica e estabilidade financeira, permitindo um acompanhamento mais efetivo da utilização dos recursos. Simultaneamente, o governo se dedica à regulamentação e fiscalização da prestação do serviço.
Considerando o exposto, os primeiros contratos de concessão de distribuição de energia elétrica no Brasil foram firmados na década de 1990. Dado que esses contratos possuem um prazo de 30 anos, com possibilidade de prorrogação por igual período, está iminente a necessidade do estabelecimento das regras para a prorrogação. Entre 2025 e 2031, 20 contratos de concessão serão discutidos,
abrangendo aproximadamente 65% da população brasileira. Esse é o impacto considerando cada região do país:
O novo decreto governamental estabelece diretrizes essenciais para o processo de prorrogação, alinhadas com o que é considerado de maior interesse para a Federação. Esta nova estrutura visa tornar o processo de prorrogação mais criterioso e exige que as distribuidoras se adaptem às novas condições, caso desejem continuar com seus contratos.
Entre as principais diretrizes, destaca-se a necessidade de cumprimento dos indicadores de continuidade por três anos consecutivos e do critério de eficiência em relação à gestão econômico-financeira por dois anos consecutivos, dentro do período de apuração. A distribuidora que não atingir as metas de continuidade citadas, poderão apresentar um plano com as ações e investimentos necessários para o atingimento dos indicadores. Já com relação ao descumprimento do critério de eficiência de gestão econômico-financeira, a empresa poderá promover aportes financeiros para recuperar a sustentabilidade da concessão.
Além disso, as novas diretrizes elevam os padrões de qualidade do serviço, exigindo ações para robustecer o nível do serviço de eletricidade especialmente em áreas rurais. O objetivo é assegurar que o atendimento em áreas periféricas ou rurais receba o mesmo nível de qualidade que as áreas de maior visibilidade econômica e midiática.
O novo decreto também estabelece a obrigatoriedade da comprovação anual da saúde financeira das distribuidoras, por meio da apresentação de resultados financeiros. Essa medida visa monitorar a execução do planejamento financeiro apresentado pelas concessionárias.
Todos esses aspectos serão avaliados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Caso uma distribuidora não consiga demonstrar sua eficiência econômico-financeira por dois anos consecutivos, ou se não atender às expectativas de qualidade de continuidade de distribuição durante o mesmo período, poderá ser instaurado um processo de caducidade do contrato.
Adicionalmente, o decreto prevê a limitação dos dividendos distribuídos aos acionistas a 25% dos lucros, caso as metas de saúde financeira e de atendimento não sejam cumpridas. O não cumprimento das metas também pode resultar na limitação do pagamento dos juros sobre o capital próprio. Apesar de gerar preocupações na ABRADEE (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) sobre os investimentos futuros, essas disposições foram mantidas pelo MME no decreto.
Outros aspectos relevantes também fazem parte do novo decreto e estarão sujeitos à avaliação contínua pelo MME. Os principais pontos adicionais que serão regulamentados, além dos já mencionados, incluem:
- Autorização para atividades empresariais adicionais: As concessionárias poderão exercer outras atividades empresariais, desde que autorizadas pela Aneel. Essas atividades devem ser compatíveis com as regulamentações e legislação vigentes da Aneel, não podendo impactar negativamente o serviço de distribuição de energia. A autorização para tais atividades será regulada pela Aneel e poderá ser revogada com base nas avaliações da agência reguladora.
- Incentivos para gestão em áreas de restrição: Serão oferecidos incentivos compatíveis com a capacidade de gestão das concessões em áreas com severas restrições relacionadas ao combate de perdas e inadimplência. Isso inclui métodos regulatórios para lidar com situações de difícil acesso ou com ameaças à segurança dos prestadores de serviços responsáveis pela medição do consumo elétrico. O decreto prevê que a Aneel defina diferentes tipos de tarifas com base em critérios técnicos, de localidade e de qualidade, assegurando transparência no cálculo e na publicidade dos valores estabelecidos.
Metas para retomada de serviços pós-desastres climáticos: O decreto estabelece a necessidade de criar padrões para a retomada dos serviços após desastres climáticos, considerando que atualmente não há planos estabelecidos para diversos tipos de desastres aos quais os municípios estão sujeitos. Isso implica na formulação de padrões praticamente do zero para o atendimento das metas que serão estabelecidas.
Além desses aspectos, existem itens mais específicos para as distribuidoras que não foram detalhados aqui. Os pontos abordados até o momento são de particular interesse para o público em geral e são apresentados como os de maior relevância e compreensão ordinária. No entanto, outros aspectos determinados no decreto de junho também são de significativa importância e serão listados a seguir:
- Melhorar os canais de atendimento e criação de um canal específico para administradores públicos;
- Condições igualitárias de capacitação de mão de obra própria e de terceiros;
- Adesão ao conceito de ‘trabalho decente’ definido pela Organização Internacional do Trabalho
- Cessão onerosa e orientada a custos para pessoa jurídica distinta do espaço dos postes destinado ao compartilhamento com o setor de telecom;
- Proteção dos dados dos clientes em poder da distribuidora;
- Digitalização gradual das redes e serviços, inclusive métodos de medição de energia elétrica;
- Alocação de riscos entre o poder concedente e a concessionária;
- Utilização do IPCA como indexador para o reajuste das tarifas anuais.
Esses tópicos naturalmente influenciarão os preparativos das distribuidoras para as decisões futuras e terão um impacto financeiro e econômico tanto para as distribuidoras quanto para o público em geral. Questões adicionais e mais específicas permearão as futuras discussões do setor.
A tarefa de se adaptar ao decreto exigirá grandes esforços e novos entendimentos para os grupos econômicos envolvidos. No sentido de entendermos quem são os afetados pelo novo decreto, listamos a seguir quais são e a quantidade de concessões de cada uma que está no horizonte de renovações:
E as distribuidoras serão:
O futuro da distribuição de energia no Brasil está sendo redefinido por novos parâmetros, que demandarão uma assertividade crescente nos processos e procedimentos adotados pelas distribuidoras. A evolução tecnológica e o acesso facilitado às informações tornam-se ferramentas essenciais para avaliar a percepção pública sobre a qualidade dos serviços recebidos.
As concessionárias enfrentam agora o desafio de calcular o total de esforço necessário para garantir a prorrogação de seus contratos por mais 30 anos. Esse esforço deve estar fundamentado em decisões cada vez mais objetivas e passíveis de medição, abrangendo tanto a avaliação da qualidade do serviço prestado quanto das questões econômico-financeiras. A adaptação ao novo decreto exigirá a formulação de novos planos e objetivos, além de investimentos significativos na modernização das distribuidoras.
O MME deverá priorizar a qualidade do serviço para a prorrogação das concessões, bem como a modernização do setor elétrico. Este foco proporcionará espaço para novas discussões e soluções. A evolução do setor está intimamente ligada à necessidade de adaptação e aprimoramento das condições atuais. Os resultados dessas melhorias se tornarão evidentes nos próximos anos.